Diretor da Primax publica artigo na Revista CUSTO BRASIL

Por Antônio Luiz Leite, diretor da Primax Transportes Pesados e Remoções Técnicas

 

O descaso com a infraestrutura logística brasileira, por anos seguidos, ajudou a travar o ritmo do desenvolvimento do País, que tem agora o sonho de virar a quinta potência econômica do planeta na próxima década. Os transportadores e operadores logísticos, que prestam um serviço estratégico à nação, ao atuarem no escoamento do fluxo das riquezas nos mercados doméstico e o externo, têm pago, em boa parte, esta conta, enquanto o governo, muito lento, faz promessas e não faz a sua parte.

 

A situação precária das estradas brasileiras – fora as que não estão livres da cobrança do pedágio - é um retrato típico desse abandono. Trafegar por meio desse sistema viário, em colapso, é como andar na contramão da eficiência e das condições mínimas de segurança, uma verdadeira vergonha nacional. Sabemos que o longo jejum de investimentos nesse setor não será revertido como num passe de mágica, porque o presidente da República criou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que, infelizmente, avança a passos de tartaruga.

 

A nova Pesquisa Rodoviária 2009, realizada pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), mostra que 69% das estradas brasileiras estão em condições péssimas, ruim ou regular para o tráfego. No entanto, na comparação entre 2007 e este ano, houve queda de quase 5% no número de rodovias caracterizadas com estes perfis. Com base na amostra avaliada, houve uma leve melhora nas condições das estradas brasileiras - federais, estaduais e concedidas à iniciativa privada. As rodovias avaliadas como ótimas ou boas passaram de 26,1% para 31%, mas, diante do alarde da propaganda do governo, a ação concreta do poder público é ainda muito limitada.

 

O mapa das rodovias, feito pela CNT, pesquisou uma amostra com 89.552 quilômetros, sendo 75.337 sob gestão pública, federal ou estadual, e 14.215 quilômetros da malha administrada pela iniciativa privada.

 

 

Nem a projeção de um crescimento em torno de 27% dos investimentos no transporte rodoviário brasileiro, feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no período 2009-2012, consegue desatar alguns dos nós da infraestrutura. Se o cenário traçado pelo BNDES for confirmado ao longo desses anos, os investimentos no segmento rodoviário deverão passar dos R$ 22 bilhões (entre 2005-2008) para R$ 28 bilhões até 2012.

 

A pesquisa 2009, feita pela CNT, entretanto, mostra que só a malha brasileira exige atualmente cifras da ordem de R$ 32 bilhões, o mínimo necessário para reconstrução, restauração e manutenção dos trechos em análise, segundo o levantamento.

 

No panorama de investimentos estudado pelo BNDES, intitulado Perspectivas para a Economia Brasileira, menos de 5% do total de R$ 730 bilhões serão injetados no transporte rodoviário. As ferrovias ficarão com uma fatia maior desse bolo, com R$ 37 bilhões, enquanto os portos conseguiram arrastar apenas R$ 8 bilhões.

 

Petróleo, gás e a construção de usinas elétricas mereceram grande destaque. Juntos, vão consumir R$ 406 bilhões, 55,61% do total a ser investido até 2012.

 

 

Os danos perversos da má conservação das estradas acabam elevando o custo Brasil. Geram aumento médio de 28% do custo operacional dos caminhões; acréscimo de até 5% do consumo de combustíveis; queda da velocidade operacional dos veículos e maior emissão de poluentes.

 

Mais que isso, mantém as estradas, infelizmente, como um campo de uma guerra silenciosa e absurda. Hoje, passados 10 anos da entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro, observamos que diariamente aproximadamente 100 pessoas são mortas e outras 1000 são feridas em trânsito.

 

O governo brasileiro gasta R$ 28 bilhões por ano com os acidentes de trânsito, segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas), conforme estudo feito em 2006. Deste montante, R$ 22 bilhões referem-se a acidentes nas rodovias e os outros R$ 6 bilhões em áreas urbanas. O valor envolve custo como resgate de acidentados, tratamento e reabilitação das vítimas e reparo de danos materiais.

 

No balanço da Superintendência da Polícia Rodoviária Federal, Minas Gerais lidera o ranking da violência nas estradas, ao exibir o maior número de acidentes, pessoas feridas e vítimas fatais no país em todo o ano passado. O segundo lugar, Santa Catarina, apresenta metade das ocorrências.

 

O perfil da matriz de transporte brasileira revela o modal rodoviário como a principal via de escoamento das cargas brasileiras, respondendo por 61%, segundo dados da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT). As ferrovias participam desse ranking com 20,7%; o sistema aquaviário com 13,6%; o dutoviário com 4,2%; e o aéreo com 0,4%.

 

O desenvolvimento da infraestrutura logística brasileira se expandiu de forma mais significativa a partir do século XIX, entre os anos de 1850 e 1940, quando foram construídas importantes rodovias e ferrovias. Grande parte devido à prioridade dada pelo governo na construção de estradas (década de 20), houve incentivos às empresas automobilísticas (década de 60) e subsídios aos preços dos combustíveis.

 

 

Mesmo com o impulso inicial do governo, o transporte rodoviário de cargas precisa destravar os gargalos que engessam o desenvolvimento do país atualmente. Destaca-se a falta de novos investimentos; a manutenção das vias existentes (sem a gestão privatizada); o baixo preço do frete rodoviário; a pouca regulação do setor e perdas de cargas durante o transporte, causadas principalmente por roubos, acidentes e avarias durante a movimentação.

 

Degradação sistêmica

 

A longa estagnação da economia brasileira fez, segundo o professor de Economia Carlos Lessa, que os investimentos em transporte caíssem dos 2% do PIB na década de 60, para o percentual insignificante de 0,5% do PIB (2008). O PAC, observou o pesquisador, melhorou o quadro entre 2006-2008. Após 2003, primeiro triênio do atual governo, os transportes obtiveram, em média, apenas 0,3%/PIB, afirma Lessa. Durante a "Década Perdida" e os Anos FHC (do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso), a média ficou ao redor de 0,2%, citou.

 

A degradação sistêmica da rede de transporte, com orçamentos de manutenção mutilados, em nome do superávit primário e do pagamento devastador de juros de dívida pública, estão entre os  desafios citados por Lessa a serem vencidos.

 

Em função das más condições das vias e do incorreto acondicionamento das cargas nos caminhões, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) mostra que o prejuízo causado pela perda de grãos durante o transporte rodoviário, chega a R$ 2,7 bilhões por safra, o que equivale a 10 milhões de toneladas de carga perdida.

 

Às vésperas da Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil, e da Olimpíada, em 2016, no Rio de Janeiro, o governo, que saiu rápido da crise financeira global, sonha grande. Sobram planos na prancheta. A prática, porém, deixa a desejar.

 

Denúncia feita pelo jornal O Estado de São Paulo, no dia 17 de novembro deste ano, mostra que além de ter uma verba limitada para obras, o governo federal não tem conseguido gastar nem o dinheiro que já tem garantido no orçamento. Segundo a reportagem, quanto mais eleva o volume de investimentos para os setores de infraestrutura, mais dinheiro sobra nos caixas dos ministérios sem chegar ao destino.

 

Com base na matéria do Estadão, apenas nos cinco anos últimos, a administração Lula deixou de investir R$ 20 bilhões previstos no orçamento para expandir e modernizar a infraestrutura brasileira, segundo levantamento feito pelo Estado, com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), do Tesouro Nacional, revelou o veículo.

 

Entre 2004 e 2008, o Estadão afirma que o governo autorizou uma dotação de R$ 72 bilhões aos ministérios de Minas e Energia, Transportes, Comunicações, Integração Nacional e Cidades. Desse valor, R$ 52 bilhões foram empenhados (compromisso de pagamento assumido pelo governo) no período.

 

A conclusão a que chegou o Estadão é que a diferença de R$ 20 bilhões ficou nos cofres do Tesouro para compor o Orçamento da União, podendo ser destinada a outras atividades. Segundo especialistas em gestão pública, vários fatores explicam o problema. Um deles é a baixa qualidade dos projetos, o que dificulta a aprovação e a realização das obras.

 

O ritmo letárgico do PAC, com cronogramas atrasados e o orçamento estourado em várias regiões, parece mais o enredo de uma novela mau gosto. Enquanto isso, o país, que registra um desempenho muito abaixo da performance dos Tigres Asiáticos e da China,  avança pouco no desenvolvimento e modernização de sua infraestrutura logística.

 

Problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU) e com a área ambiental não foram os únicos. Houve complicações na modelagem financeira de alguns empreendimentos, que atrasaram o cronograma original. Além disso, o orçamento de vários projetos acabou inflado. Isso ocorreu mesmo em investimentos executados majoritariamente pela iniciativa privada.

 

Ícone do descaso

 

O estudo O PAC e a Infraestrutura Logística no Brasil, realizado pelo Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos) e divulgado pelo professor Paulo Fleury, conclui que o Brasil tem uma das piores infraestruturas de logística entre os países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), Estados Unidos e Canadá.

 

Segundo o levantamento, o Brasil está na última posição em rodovias pavimentadas, por exemplo, com 212 mil quilômetros, ficando atrás do Canadá (516 mil quilômetros), Rússia (655 mil quilômetros), Índia (1,5 milhão de quilômetros), China (1,5 milhão de quilômetros) e Estados Unidos (4,2 milhões de quilômetros).

 

O orçamento do Ministério dos Transportes deste ano mostra que, até setembro último, do total do investimento autorizado de R$ 12,74 bilhões, só foram pagos R$ 6,2 bilhões, conforme levantamento feito pela equipe da CNT com base em dados oficiais.

 

A arrecadação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que atualmente é cobrada sobre a comercialização da gasolina (R$ 0,23/litro) e diesel (R$ 0,07/litro), acumulou - desde sua entrada em vigor, em 2002, até o mês de setembro último -R$ 54,72 bihões, mas apenas 40% desse montante foram destinados a investimentos em transportes. Esses dados, apurados pela Assessoria Econômica da CNT apontam, na prática, que a maior fatia dos recursos arrecadados pela Cide (no caso, os 60%) foram desviados de sua finalidade.

 

O projeto do Rodoanel, em São Paulo, apontado como a maior obra viária em execução no País, é um ícone do descaso. Idealizado por urbanistas e autoridades desde a segunda década do século passado, conforme o site da Dersa, empresa de economia mista, vinculada à Secretaria dos Transportes do Estado de São Paulo, o empreendimento arrasta-se, por décadas, sem previsão de conclusão à vista.

 

O Rodoanel paulista, que foi inicialmente concebido como uma via perimetral que circundasse o núcleo central da Região Metropolitana, teve um primeiro passo em direção ao projeto dado em 1952, quando as frotas da indústria automobilística começaram a tomar as ruas da cidades brasileiras.

 

O esboço do anel rodoviário de São Paulo acabou dando origem às Avenidas Marginais do Tietê e do Pinheiros. Passados mais de 30 anos, com essas duas vias já totalmente congestionadas, começaram a ser construídos o Minianel Viário e o Anel Metropolitano. O projeto, que, até o momento, inaugurou apenas o trecho oeste, recebe atualmente investimentos da ordem de R$ 3,6 bilhões para concluir a parte sul. Os outros dois trechos (o norte e o leste) ainda nem começaram.

 

Sem o Rodoanel, a área metropolitana paulista é castigada com a ausência de um sistema viário que possa desviar o fluxo de veículos (principalmente os caminhões) que se destinam a outros municípios e a outros Estados e, por falta de alternativas, são obrigados, atualmente, a atravessar a capital.

 

A Fundação Getulio Vargas calculou que só na capital paulista a questão do trânsito provoca um prejuízo anual de R$ 26 bilhões apenas com as horas de trabalho perdidas nos engarrafamentos. Somadas, as mais de duas horas que os cidadãos perdem cada dia no transporte significa que cada um deles passa em ônibus ou automóveis pelo menos dois dias inteiros por mês.

 

 

Se o Brasil quiser aproveitar o empurrão da marolinha, provocada pela recente crise econômica mundial, precisará mudar, fazer as reformas necessárias, como reduzir a pesada carga tributária, que em 2008 foi de 36,56% sobre o Produto Interno Bruto, acelerar o ritmo de obras e redefinir sua lista de prioridades.

 

O País precisará de cadeias intermodais, com todos os modos de transporte usados integrados de forma racional em uma única cadeia logística, cada um contribuindo com o que tem de mais vantajoso para superar seus gargalos.

 

Precisará, também, ampliar enormemente a malha rodoviária pavimentada e construir novas estradas em corredores estratégicos para o transporte de riquezas.

 

Mas para que consigamos construir um novo país, sem deixar um fardo pesado sobre os ombros das futuras gerações, precisamos de ter governos que se comprometam em criar as condições políticas para que as prioridades nacionais saiam do papel.

Sem isso, estaremos sempre fadados a repetir o surrado bordão de que seremos o eterno país do futuro.


Data: 20/12/2009
Fonte:Revista Custo Brasil